Desde sua entrada em vigor, em 11 de setembro de 1990 a Lei n. 8.078, mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor passou a regular as relações de consumo antes decididas unicamente pela legislação civil, claramente defasada em relação ao dinamismo do campo negocial.
Muitas foram as inovações e mudanças introduzidas, bem como novos conceitos e princípios norteadores adequados à realidade negocial, que buscam diminuir a disparidade estrutural e financeira entre os contratantes, concedendo ao hipossuficiente (parte mais frágil) vantagens processuais.
Para nossa análise, duas são as inovações que se pode considerar mais interessantes: o reconhecimento de que uma pessoa jurídica pode ser também um consumidor e gozar das mesmas prerrogativas acima genericamente elencadas; e a identificação legal da atividade bancária, financeira e de crédito como sendo “serviço”, e portanto sujeitando-se também aos ditames desta legislação.
Com as explanações acima, claramente já se entende que a pessoa jurídica em geral pode ser considerada consumidora de instituições bancárias, financeiras e de crédito, e com isso gozar de certas vantagens processuais e demais direitos atinentes; porém a realidade não é bem assim, pois a matéria sempre foi bastante controversa no meio doutrinário, principalmente nos julgados por todo o pais.
As disparidades se acentuaram cada vez mais à medida que o conhecimento sobre nova lei ia se consolidando, com o aparecimento de teses mais ousadas e complicadas, as quais apenas contribuíam para encorajar aventuras jurídicas que já prejudicaram muito os dois lados.
Os que se julgam consumidores sempre buscavam proteção na redação do artigo 3º., parágrafo 2º. da lei supra-identificada. Já as instituições de crédito embasavam seu direito na lei n. 4595/64, legislação que normatiza o Sistema Financeiro Nacional e cria o Banco Central do Brasil, bem como disciplina a atividade das demais instituições bancárias.
Tamanha a discussão sobre o tema que a confederação nacional das instituições financeiras – CONSIF, por meio de sua assessoria jurídica, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (n. 2591) buscando a decretação da inconstitucionalidade do parágrafo 2º. do artigo 3º. do Código de Defesa do Consumidor, no ponto que inclui como serviços os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária.
Grandiosa foi a repercussão desta ousada ADIN, que reuniu expectativas de ambos os lados, até que em 07/06/2006, em seção solene, os Ministros do Supremo Tribunal decidiram em votação que o Código de Defesa do Consumidor pode sim ser aplicado sobre as relações de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. Segue pequena transcrição da notícia veiculada no mesmo dia pela imprensa interna do órgão:
“As relações de consumo de natureza bancária ou financeira devem ser protegidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Esse foi o entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) que, por maioria, (nove votos a dois) julgou improcedente o pedido formulado pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras (Consif) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2591.
A entidade pedia a inconstitucionalidade do parágrafo 2º do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) na parte em que inclui, no conceito de serviço abrangido pelas relações de consumo, as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária.
O julgamento havia sido adiado no início de maio em razão do pedido de vista do ministro Cezar Peluso que hoje (07/06) seguiu a divergência aberta pelo ministro Néri da Silveira (aposentado) e julgou improcedente a ação. (...)”
A referida decisão seguramente resolve a problemática sobre a suposta falta de conciliação entre as leis n. 8.078/90 e 4.595/64, e também decide sobre a incidência do Código de Defesa do Consumidor sobre as relações já identificadas, porém tal decisão não deve ser confundida como um salvo conduto para as empresas entenderem que estarão sempre protegidas pela legislação consumeirista.
O alerta acima é fundamental, pois antes da incidência do artigo 3º. da Lei n. 8.078/90, a empresa deverá comprovar que se encaixa no conceito de consumidor existente no artigo 2º. da mesma lei: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
A comprovação de que adquiriu o produto ou serviço como destinatário final é de suma importância para o gozo das vantagens da legislação consumeirista; acontece que muitos dos produtos e serviços ofertados pelas instituições bancárias, financeiras e de crédito, em geral não possuem esta característica, o que inviabiliza sua utilização.
Ao empresariado, em geral possuidor de problemas com instituições desta natureza, para que seus interesses possam ser defendidos com eficiência, é necessária busca por ajuda profissional responsável. Esta analisará com lisura a situação documental e poderá então orientar sobre a existência ou não da relação de consumo com instituições bancárias, preservando assim a integridade do patrimônio jurídico do interessado, evitando aventuras infrutíferas que poderão trazer infortúnios vindouros.
Waldemar M. C. de Meneses Fernandes
Comments