... DE EMPRESAS DEVEDORAS.
Ao julgar um recurso especial de São Paulo, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a jurisprudência segundo a qual a desconsideração da personalidade jurídica exige requisitos objetivos e subjetivos: além da inexistência de ativos para cobrir o débito, é preciso que se prove o uso malicioso da empresa, com a intenção de fraude contra os credores.
Antes de qualquer coisa é importante explicar que “desconsideração da pessoa jurídica” significa extrapolar os limites patromoniais de uma empresa para ir em busca dos bens de propriedade dos sócios cotistas ou acionistas dessa empresa.
Na maioria dos casos a discussão não merece muita atenção, porém quando se trata de uma sociedade por cotas de responsabilidade limitada, os bens da empresa, por definição legal, não se comunicam com os bens dos seus sócios proprietários, a não ser em casos especiais.
No caso hipotético em discussão a pessoa jurídica é devedora de uma obrigação pecuniária, porém alega que não possui bens e nem dinheiro para saldar essa dívida junto ao seu credor, portanto a obrigação deveria ficar suspensa e para tal levanta as disposições legais sobre a incominicabilidade dos bens da empresa e dos seus sócios.
Já o credor, certamente inconformado com essa situação, irá ao Judiciário requerer a desconsideração da personalidade jurídica dessa empresa devedora, tudo isso com fins de adentrar no patrimônio pessoal dos cotistas, expropriando-os até satisfazer seu crédito.
A regra da incomunicabilidade dos bens não é absoluta e com base nessa ideologia o legislador pátrio identificou os casos em que o credor poderá requerer a desconsideração: quando há insuficiência de bens do devedor, acrescido ao desvio de finalidade na gestão empresarial (intenção de valer-se da empresa para fraudar os credores).
A evolução da discussão desse tema levou o Superior Tribunal de Justiça a tecer interpretação teleológica com fins de identificar expressamente os casos em que pode ocorrer a desconsideração, refletida no trecho de decisão que segue transcrito:
“A jurisprudência desta Corte”, acrescentou, “chancela o caráter objetivo-subjetivo dos requisitos da desconsideração, exigindo a presença de duas facetas: a inexistência de ativo patrimonial do devedor, apto a arcar com as consequências do débito, e a utilização maliciosa da pessoa jurídica desfalcada de ativo patrimonial por parte do sócio detentor dos haveres negados à pessoa jurídica deles exausta.” (http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=100741)
Em suma, depreende-se que se uma empresa alega não possuir bens ou ativos financeiros para saldar suas dívidas, deve-se observar em seguida se houve em algum momento a “confusão” entre pessoa jurídica e seus sócios. Aquela gestão onde não se consegue diferenciar onde termina a empresa e onde começam os sócios, que pode ser fraude ou apenas fruto de uma péssima gestão.
Para fins legais não interessa mais se houve fraude ou péssima gestão, se houve confusão entre pessoa jurídica e seus sócios; deve-se considerar a gestão como fraudulenta e deve-se aplicar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
Nesse ínterim o Superior Tribunal de Justiça acertadamente deixa a incomunicalibidade patrimonial como um benefício legal a ser gozado apenas por aqueles empresários que respeitam as leis e as teorias empresariais, exercendo suas atividades sem praticar atos de apoderamento escuso do capital de sua empresa.
Outra situação passível de gerar a desconsideração é a não informação nas escriturações contábeis sobre a evolução patrimonial da pessoa jurídica, acompanhada de seus reflexos patrimoniais. Aquela pessoa jurídica que fatura de forma razoável, porém não acumula nada, não almenta seu capital social ou com o passar do tempo não possui nenhum patrimônio ou ativos financeiros, denuncia que pode estar sendo utilizada apenas como meio fraudulento de captação de dívidas.
Segue-se a aplicação do brocárdio jurídico de que “a sociedade provoca a mudança de comportamento do Poder Judiciário, que por fim acaba por influenciar nas novas leis”. E é justamente isso que ora acontece, pois o empresariado não pode mais gerir suas atividades de forma não profissional, é necessário aplicar os conhecimentos de gestão e caminhar de mãos dadas com o setor contábil, demonstrando de forma honesta a escrituração e o faturamento, fazendo constar em aditivos sociais.
Só assim o empresário conquistará a segurança que tanto almeja para exercer suas atividades com liberdade e sem riscos de que seu patrimônio pessoal responda por problemas existentes em sua empresa.
Waldemar M. C. de Meneses Fernandes
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