A atividade empresarial moderna sofre a incidência de carga tributária cada vez maior. Reunindo-se as três esferas de competência para instituição dos tributos, federal, estadual e municipal, chega-se a patamar notadamente quase confiscatório.
Entretanto, em que pese a já expressiva carga tributária incidente sob parâmetros legais, ou seja, devidamente prevista em lei, o empresariado tem sofrido constrições ainda maiores sobre seu patrimônio, decorrentes de abusos nas condutas administrativas fazendárias, quando da aplicação de graves punições pelo descumprimento de obrigações assessórias.
Muitas vezes estas punições são aplicadas de forma arbitrária e temerária, com fundamento em interpretações unilaterais dos dispositivos legais, que denotam a avidez dos órgãos arrecadadores na invasão ao patrimônio dos contribuintes.
Eis o caso da penalidade pecuniária prevista no art. 44, I e par. 1º, II, da Lei 9430/96, que prevê a incidência de multa isolada correspondente à 75% da totalidade ou da diferença, para os casos de intempestividade (fora do prazo) no recolhimento ou pagamento de tributos federais sem o acréscimo de multa e juros de mora.
Resta consentâneo que sobre o pagamento efetuado após o prazo de vencimento deve incidir multa. Sem adentrar ao mérito sobre o efeito confiscatório ocasionado pelo percentual de 75% aplicado, cumpre indagar qual a base de cálculo a ser utilizada para efeito de determinar o valor da multa isolada, tendo em vista que a lei prevê duas hipóteses: “totalidade” ou “diferença dos tributos pagos com atraso”.
Pois bem, a Receita Federal vem aplicando a alíquota de 75% sobre a totalidade dos tributos pagos fora do prazo, o que se traduz em apenação por demais severa, considerando tratar-se de punição incidente sobre tributos já devidamente recolhidos, muito embora fora do prazo.
O entendimento da Receita Federal em assim proceder, permite a ocorrência de verdadeiras aberrações, como se pode demonstrar pelo seguinte exemplo: “determinado contribuinte ao recolher tributo no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) com atraso de um dia, sofreria a incidência de multa isolada correspondente a R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais)”. Um verdadeiro absurdo, representado por penalidade completamente desproporcional à falta cometida.
No entanto, resta equivocada a atuação fazendária, na aplicação da multa isolada sobre o valor da totalidade do tributo já pago. Com efeito, existem dois critérios para a aplicação da penalidade prevista no art. 44 da Lei 9430/96. O primeiro, utilizado pela Receita Federal, consiste na imputação linear do pagamento, pelo qual a multa isolada deve incidir sobre a totalidade, tendo em vista que não há diferença de tributo, pois o mesmo teria sido integralmente pago, embora intempestivamente.
Em contraposição, há um segundo critério, denominado “imputação proporcional do pagamento”. Segundo este entendimento, para os casos em que o tributo é recolhido fora do prazo de vencimento, deve haver a imputação proporcional do pagamento, consistindo esta em atribuir ao valor recolhido natureza de valor principal mais acréscimos legais, de forma proporcional, ocasionando assim uma diferença de tributo a ser recolhida.
Para melhor compreensão, apliquemos o método da imputação proporcional ao exemplo já mencionado: ao pagamento de R$ 100 mil efetuado pelo contribuinte à título de tributo federal, com apenas um dia de atraso, seria atribuída a natureza de valor principal somado à multa de mora (correspondente a 0,33% ao dia, conforme previsão em lei). Desta feita, o montante pago corresponderia ao valor principal do tributo igual a R$ 99.671,08, mais multa de mora no valor de R$ 328,92, totalizando R$ 100 mil.
Note-se, pois, que restou diferença de tributo a recolher, no valor R$ 328,92, sobre a qual deve incidir multa isolada de 75%, mais multa por atraso a ser calculada em função da quantidade de dias em que for pago após o vencimento.
Desta feita, note-se que o valor atingido a título de multa isolada é bastante inferior ao aferido com base na imputação linear, consistindo a divergência em uma questão de interpretação da norma aplicável. Neste contexto, cumpre mencionar que em se tratando de norma tributária, sua interpretação deve se dar da forma menos gravosa para o contribuinte.
Vale ressaltar ainda, que a Medida Provisória 303/2006 excluiu do texto da Lei 9.430/96 a multa isolada ora em comento. Assim, pelo princípio da retroatividade in mellius, todos os autos de infração lavrados com base nesta norma devem ser anulados, com a conseqüente desoneração dos contribuintes do valor correspondente à multa isolada.
Cumpre esclarecer, por fim, em que pese a perda da eficácia da Medida Provisória 303/2006, visto não ter sido reeditada ou convertida em lei, a retroatividade benigna nela consubstanciada se opera a todos os autos de infração pendentes de julgamento durante o período em que esteve em vigor, posto trata-se de direito adquirido pelos contribuintes, que tem o direito de serem tratados de forma igual aos que se encontram em mesma situação jurídica, em homenagem ao principio da igualdade.
Waldemar M. C. de Meneses Fernandes e
Eduardo Rodrigues Evangelista, advogado
especializando em direito tributário.
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